Meu pai saiu de casa
quando eu tinha quinze anos. Foi um alívio para todos. Alguns anos depois
quando foi diagnosticado que ele estava com um câncer na laringe, nos
reaproximamos, um pouco por dó, um pouco por culpa e, muito, por razões que
naquela época eu ainda desconhecia. Em março de 2005 ele teve de ser submetido
a uma traqueostomia e nunca mais voltou a falar. Foi nessa época que começamos
então, como nunca antes, a conversar.
No ano seguinte (não sei por que razão comecei a fazer isso) passei a recolher,
numa caixa de sapatos, os papeizinhos que ele largava aqui e ali depois de
escrever as palavras, frases que precisava para se fazer entender.
Desse ano também data
o início dos registros em meus diários de alguns sonhos que eu tinha com certa
frequência com meu pai.
Em 2008, foi a minha
vez de ser submetida a uma cirurgia por causa de uma doença degenerativa
chamada otosclerose. Pouco mais de um ano antes havia descoberto que estava
perdendo a audição e que estava praticamente surda do ouvido esquerdo e já
prejudicada no ouvido direito. A cirurgia não funcionou e desde então uso
aparelhos nos dois ouvidos para minimizar as perdas.
No mesmo ano, num
exercício de um curso de teatro levei comigo a tal caixa de sapatos com os
papeizinhos. Foi pedido que levássemos um “objeto de alegria”. E eu levei a
caixa com os bilhetes do meu pai como sendo o meu.
Decidi então que
queria criar uma obra – um filme, um livro, uma peça – que partisse dos
escritos contidos nessa caixa e que se chamaria “Conversas com meu pai”. Nos
anos que se seguiram foram inúmeras tentativas mas nenhuma formalização
definitiva.
Em 15 de outubro de
2011 – três dias antes de completar 61 anos – meu pai morreu. No dia 18 de
outubro, mesmo dia de seu nascimento, ele foi cremado e depois teve suas cinzas
jogadas pelas filhas num lugar chamado Ilha das Palmas.
Parte deste “processo”
– o artístico e o pessoal - e seus tantos abortos, puderam ser recuperados nas
diversas formas de “diários” que eu mantive durante todos estes anos. Cadernos,
bloquinhos, documentos, imagens, gravações. Mais de 500 páginas de escritos, muitas
e muitas horas de filmagem. E agora, essa peça.